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Afinal, o que aconteceu com a Gafisa?

Porque as ações da Gafisa (GFSA3) fecharam o pregão do dia 22/03 cotadas a R$ 2,04 por papel e amanheceu no pregão do dia 23/03 a R$ 27,50?


A princípio os agentes de mercado que dormiram posicionados com a ação em carteira podem ter tido uma agradável surpresa. Os que estavam pensando em comprar podem ter ficado bem tristes e os que montaram posição vendida certamente tinham motivos de sobra pra se afundar em um Scott.

O motivo dessa turbulência toda , no entanto, é algo trivial e que acontece com frequência relativamente alta no mercado de ações. Estamos falando de um dos diversos eventos corporativos que uma empresa pode sofrer ao longo de sua trajetória como empresa de capital aberto. Nesse caso tratado no artigo, o evento em questão é o Grupamento de Ações, o famoso Inplit no jargão do mercado.


Primeiramente , vou me debruçar sobre o que é um evento corporativo para que possamos posteriormente analisar mais a fundo o grupamento das ações da Gafisa (GFSA3).

Descrição dos Eventos Corporativos

Um evento corporativo se caracteriza por ser qualquer evento que venha a ocorrer em uma empresa que envolva mudança no tratamento dos ativos perante aos acionistas. Eles são definidos segundo caráter técnico e deliberados em assembléia de acionistas por maioria de votos. Podem servir como estratégia da empresa para diversos fins, os quais se incluem: nova captação de recursos no mercado, aumento ou diminuição da liquidez do ativo em bolsa, mudança no nível de governança corporativa, fusão e incorporação de empresas, distribuição de resultado acumulado, entre muitos outros.

Os eventos corporativos podem ser subdivididos em duas principais classes, os “Eventos Corporativos Voluntários” e os “Eventos Corporativos Não Voluntários”.

Como eventos corporativos voluntários observamos a Subscrição, a Retratação, a Conversão de Ativos e a Dissidência. Já do lado dos não voluntários verificamos a existência de dois subgrupos. Os eventos corporativos em ações e os eventos corporativos em recursos financeiros. Eles são diferenciados pela forma com a qual o acionista é impactado, sendo o primeiro, como o próprio nome sugere, relativo ao ativo e a quantidade em custódia do ativo no momento da deliberação em assembléia. O segundo, se refere ao tratamento com recursos financeiros a serem pagos ou distribuídos entre os acionistas.

Como exemplos de eventos corporativos em ativos encontramos a Bonificação, o Grupamento, Incorporação, Desdobramento, Fusão, Restituição de Capital, e a Cisão com Redução de Capital.


Como principais exemplos de eventos corporativos em recursos financeiros encontramos o Resgate Total em Renda Variável e o Resgate em Renda Fixa.


Com essa breve introdução a dinâmica dos eventos corporativos podemos passar ao próximo passo que é nos concentrar no evento corporativo que afetou a Gafisa (GFSA3) na última semana e que confundiu a cabeça de muitos investidores que ainda não haviam passado por essa situação.

Grupamento (Inplit)

“Evento de grupamento é a redução do número de ativos do comitente, sem alteração do capital social ou do patrimônio do emissor, conforme o caso. Se o comitente não possuir posição múltipla da proporção de grupamento, a aplicação do evento para esse comitente originará frações. No entanto, como não é admitida a negociação de quantidades fracionárias de ativos a BM&F BOVESPA, para eliminar essas posições, efetuará tratamento de acordo com o que foi deliberado pelo emissor.” (Descritivo de Eventos Corporativos - Apostila BM&F Bovespa - http://www2.bmfbovespa.com.br/pt-br/servicos/download/Descritivo-de-Eventos-Corporativos.pdf).



Suponhamos uma situação em que um acionista tem uma posição de 10.000 ações da empresa X e é deliberado um grupamento de ações na proporção de 1 para 100 que se verificará no próximo dia útil a deliberação em assembléia (D+1). Isso significa que o acionista que estiver comprado no ativo da empresa X nessa data passará a deter não mais 10.000 ações em custódia, mas tão somente 100 ações. O preço, nesse caso, varia na mesma proporção porém em sentido inverso do grupamento.

Ou seja, supondo que o preço da ação da empresa X estivesse cotado a R$ R$ 0,40 por papel no momento do grupamento, ao agrupar, as ações passam agora a valer R$ R$ 40,00 que é a proporção entre o preço anterior ao grupamento e a quantidade agrupada (0,40 x 100).


Se compararmos o momento anterior ao grupamento e o momento posterior ao grupamento verificamos a seguinte posição: Anterior Custódia: 10.000 Ações Empresa X Preço por Ação: R$ 0,40 Total em Corrente: R$ 4.000,00 Posterior

Custódia: 100 Ações Empresa X Preço por Ação: R$ 40,00 Total em Corrente: R$ 4.000,00

Como podemos verificar, o grupamento não mudou nada em termos de valor detido em custódia pelo acionista. Paralelamente, o grupamento das ações da Gafisa podem explicar por que as ações saltaram de R$ 2,04 para R$ 27,50 de um dia para o outro.


O processo agora consiste em focar na análise das especificidades no processo de Inplit da Gafisa. Para isso, seguem alguns trechos do comunicado de fato relevante divulgado ao mercado pela Diretoria de Relação com Investidores no dia 22 de fevereiro.


* A integra do comunicado pode ser acessada através do link abaixo ou na página da empresa no site da BM&F Bovespa. http://www2.bmfbovespa.com.br/empresas/consbov/ArquivoComCabecalho.asp?motivo=&protocolo=549310&funcao=visualizar&site=B

Como pode ser verificado, a proporção para grupamento das ações foi de 13,483023074 por ação.

Ou seja, o investidor que detiver um lote de 13,48 em carteira na data do grupamento terá ajustada a posição para 1 ação. Assim como descrito acerca do processo de grupamento, o preço então se modifica na mesma proporção de forma inversa sendo fixado a R$ 27,50 no primeiro dia das ações negociadas agrupadas. Em termos práticos isso significa que não houve aumento ou diminuição de valor da empresa após a efetivação do grupamento mas tão somente uma redistribuição na quantidade de ações em circulação no mercado.


A partir do exposto acima existem alguns pontos importantes a serem levando em conta, um de teor mais técnico e outro de viés mais mercadológico.

  1. O que acontece com o investidor que tem 14 quantidades das ações ou não tem múltiplos de 13,48 ações?

  2. Por que as ações da Gafisa acumulam uma desvalorização mensal de 25%?

Em resposta a primeira questão, o próprio comunicado estipula os procedimentos a serem tomados em relação as frações da ações provenientes da conversão. Suponhamos um acionista que tenha 14 ações e que vire apenas 1. Seria fácil de se presumir a diferença de 1 ação frente a posição anterior. Por isso foi estipulado um prazo para que o acionista pudesse ajustar sua posição, vendendo a fração que não seria englobada na conversão ou comprando mais ativos para garantir a conversão completa completando um lote de 13,48 ações.

De qualquer maneira, para àqueles investidores que decidirem por não ajustar sua posição o procedimento passa por um leilão das frações resultantes do grupamento que gerará um crédito na conta do agente de intermediação (corretora ou banco de investimento).

Para o cálculo desse valor basta dividir o preço de abertura do pregão que ações foram agrupadas e dividir pela fração resultante do processo de grupamento. No caso de Gafisa o acionista teria o direito de receber R$ 2,04 ((27,50/13,48) *1)


Quanto ao segundo ponto, podemos levantar várias hipóteses que explicam a recente desvalorização das ações da Gafisa (GFSA3). Minha breve análise vai se concentrar em dois principais aspectos: a análise do setor imobiliário frente ao cenário doméstico e perspectivas macroeconômicas, e os recentes movimentos corporativos e resultados divulgados pela Gafisa.


A economia brasileira tem dado sinais de recuperação da atividade produtiva e o esforço da equipe econômica para estímulo da economia real se mostram cada vez mais evidentes. Já é consenso no mercado uma taxa de juros com um dígito ao final de 2017. *


* Uma discussão mais aprofundada sobre os impactos dessa trajetória de baixa na taxa de juros foi melhor dissecada em meu último artigo publicado na página do Clube de Investimentos UFPR - "Estratégias de maximização de lucro no mercado financeiro. O Impacto da Incerteza Macroeconômica na Renda Fixa Brasileira".

Como o setor imobiliário se insere nessa dinâmica?

O setor imobiliário é um setor que tem forte exposição ao cenário doméstico. A correlação que existe entre a liquidez de moeda na economia e o aquecimento do setor imobiliário é muito grande ao longo de séries históricas. Podemos perceber uma relação clara de correlação negativa entre a taxa de juros e o nível de atividade imobiliária. Isso significa que quanto mais sejam dadas as condições para que a taxa de juros sofra cortes intensos, mais estimulado o setor imobiliário fica.

A derivação dessa correlação pode ser discutida a fundo por cada um dos vieses que ela produz, tanto no que diz respeito a uma mudança em níveis de renda e os impactos sobre as variáveis de composição do PIB, quanto relativamente ao perfil dívidas contraídas pelas empresas do setor. Isso pode ser verificado por modelagem macroeconômica e gostaria muito de entrar nesse mérito porém como não é o escopo do artigo assumimos simplesmente que em geral um cenário de baixa na Selic é benéfico às construtoras.


Essa reversão na trajetória da taxa de juros brasileira foi largamente precificada pelo mercado, sobretudo após a percepção dos investidores acerca de uma redução do Risco Brasil com o Impeachment da ex-presidente da república Dilma Rousseff. Vejamos no gráfico abaixo que desde Dezembro de 2016 o índice que mede o desempenho do setor imobiliário (IMOB) se valorizou algo próximo a 30%.

Podemos inclusive auferir que no viés setorial estamos em um momento de perspectiva positiva.

E então por que as ações da Gafisa se desvalorizaram tanto?

A queda recente em minha visão se deve a três principais fatores.

- O Ibovespa (IBOV) enfrentou um forte movimento de correção que gerou uma queda acumulada ao longo do mês de Março de 4,21%. O Ibovespa é um ótimo indicador de como andam as expectativas dos agentes de mercado. Por isso, podemos perceber uma cautela maior dos investidores em relação a bolsa brasileira como um todo e isso impacta uma base relativamente grande ativos. Sobretudo os mais expostos ao risco país.


- No último mês a Gafisa anunciou uma retirada de capital de uma de suas subsidiárias, a Tenda Construtora. Tal movimento parece não ter sido bastante apreciado pelo mercado que parece não ter considerado tão bem o movimento de desalavancagem da empresa quanto os diretores avaliavam.


- Na última sexta-feira (24/12/2016) foram divulgados ao mercado os resultados referentes ao 4° trimestre de 2016 reportando um prejuízo de 1,22 bilhões em 2016, queda na receita líquida de 37% e queda na margem bruta de 12,4%.


Tais fatos não me permitem recomendar compra ou venda na ação por si só. Ressalto, porém, que para o investidor que está apostando na recuperação do cenário doméstico brasileiro é interessante acompanhar o setor imobiliário que pode ter atingido o fundo do poço e encontra margem para voltar a reportar resultados expressivos.

DISCLAIMER


O analista de investimento envolvido na elaboração do presente relatório declara que as recomendações aqui contidas refletem exclusivamente suas opiniões pessoais sobre os ativos recomendados. O conteúdo foi elaborado de forma independente e autônoma de qualquer empresa ou instituição financeira emissora dos produtos supracitados. O Clube de Investimentos e Finanças da UFPR declara que não é responsável institucionalmente pela opinião do analista responsável pelo relatório, apesar de reconhecer a importância do tema abordado.


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