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Criptomoedas: O que as tornam ativos peculiares e quais possibilidades trouxeram ao cenário econômic

Disrupção: ato ou efeito de romper-se; rompimento; quebra de um curso normal de um processo.

É necessário ter essa definição em mente para entender o propósito de Satoshi Nakamoto ao criar o Bitcoin, fato que iniciou uma era de novas possibilidades econômicas, jurídicas, industriais, etc. Este contexto histórico e quem é Satoshi será assunto para outro artigo, mas neste momento, focaremos no conceito de disrupção acima e na janela de oportunidades que as criptomoedas predispuseram.

Gráfico histórico do preço do Bitcoin. Em 2010, a criptomoeda foi utilizada para a compra de 2 pizzas, trocadas por 10 mil unidades de BTC (as pizzas mais caras da história). Ao final de 2017, o preço da unidade do Bitcoin se aproximou dos 20 mil dólares e atualmente enfrenta um longo período de correção.


Em razão do hype dos últimos anos, sobretudo após a máxima histórica do Bitcoin, em dezembro de 2017 (onde uma única unidade da criptomoeda chegou a valer aprox. U$20.000 — vide gráfico) muito se ouve falar em Criptomoedas e Blockchain.

Contudo, apesar da disseminação destas tecnologias desde a criação do Bitcoin, em 2008, muitas pessoas ainda não assimilaram o que são, qual a diferença entre os dois conceitos, como funcionam, o que representam e como podem impactar a sociedade.

Segundo Andreas Antotopoulos, um dos primeiros especialistas a conceituarem essa tecnologia, o Bitcoin (primeira criptomoeda) é basicamente a coleção de alguns conceitos técnicos que formam a base deste ecossistema:

  1. Uma rede descentralizada ponto-a-ponto (habilitada pelo protocolo Bitcoin)

  2. Um livro razão de transações públicas (a Blockchain)

  3. Um sistema descentralizado de verificação de transação (script de transação da Blockchain)

  4. Um mecanismo descentralizado, matemático e determinado de emissão de moeda (prova de trabalho — um sistema de recompensa pela validação das transações, também conhecido como “mineração”)


Com a expansão do Bitcoin, e por possuir um código aberto — uma espécie de software colaborativo, grandes empresas do ramo tecnológico e os próprios usuários começaram a desenvolver suas próprias moedas digitais, que atendessem as suas necessidades, formando as primeiras Altcoins, que são basicamente outras criptomoedas criadas com a finalidade de copiar e tentar melhorar a proposta inicial do Bitcoin, trazendo algumas modificações, refinamentos e características diferentes que tentam implementar algo que o Bitcoin não tem (Ex: maior velocidade nas transações, maior segurança, etc.)

De um modo geral, as criptomoedas são ativos digitais, baseados em criptografia (algorítmos distribuídos), habitualmente transacionados em uma rede descentralizada de usuários — a Blockchain, divisíveis, com conteúdo personalizável, e tendo seu valor definido não por lastro, mas sim, pelo interesse do mercado na utilização.

A tal Blockchain, tecnologia tida por muitos especialistas como de igual ou maior importância que a Internet para nossa geração, é basicamente um banco de dados. A peculiaridade se dá em razão de que cada registro neste banco de dados forma um “bloco”, que é interligado ao bloco anterior e sucessor ao mesmo tempo através da “impressão digital” de cada um destes blocos (chamada de hash), formando uma “corrente de blocos” (daí o nome Blockchain!).


Demonstração básica de como funciona a ligação do bloco anterior e sucessor na cadeia de blocos de uma Blockchain, através da hash de cada um (representada por um código de letras e números).


Em outras p alavras, toda informação nova precisa estar ligada a uma antiga, que já foi validada pela rede, tornando-as incorruptíveis, já que seria preciso “destruir a rede” para alterar um bloco de informação.

Essa tecnologia é a grande responsável pelo funcionamento do Bitcoin e das outras criptomoedas, e também o “carro chefe” de todas as outras peculiaridades do ecossistema das criptos, uma vez que resolve o problema da descentralização do registro contábil (permitindo que uma rede funcione de maneira confiável, sem a necessidade de um ponto central de controle) e fornece aos usuários da rede uma “cópia” para que todos possam fazer a função de verificação da transferência de valor de um lugar para outro (ponto-a-ponto) e confirmação dessas transações de maneira rápida e barata.

Graças ao Bitcoin e a tecnologia Blockchain, nunca se inovou tanto em tão pouco tempo no âmbito econômico. Apesar do ecossistema das criptomoedas ainda ser considerado embrionário e gerar controvérsia por profissionais da área, é preciso compreender todas as caraterísticas que fazem este mercado algo inovador — fatores que as tornaram atrativas não só para cidadãos comuns, mas para a sociedade como um todo e até mesmo paras as próprias instituições financeiras e governamentais; assim como, ter cautela ao falar sobre criptos, pois não se trata de uma espécie monetária convencional da qual a sociedade está acostumada.

Atualmente existem mais de 5000 espécies de criptomoedas, de acordo com o Coinlib (um dos maiores indexadores deste mercado no mundo). Na grande maioria, tratam-se de projetos sem planejamento que acabarão “morrendo” ao longo do tempo, e até mesmo, de golpes financeiros — os chamados “scam”.


Características das Criptomoedas:

  • Mercado ininterrupto: Diferente do mercado de ações e bolsa de valores, que funcionam em horário comercial e obedecem uma agenda específica, o mercado de criptoativos nunca fecha; suas negociações são realizadas todos os dias do ano, 24 horas por dia.

  • Descentralização: Nas transações com criptos, não é necessária intermediação de instituições financeiras. Graças a Blockchain, as negociações são mais simples, transparentes e seguras. Por essa razão, não existe qualquer instituição (política ou financeira) que controle sua emissão ou sua inflação, diferenciando-se das moedas fiduciárias convencionais, que possuem controle “centralizado” dos instrumentos monetários e fiscais. Obs.: Não é uma característica generalizada, pois já existem criptomoedas administradas por entidades específicas e identificáveis, como é o caso da Ripple.

  • Volatilidade: Ainda que sejam “descentralizadas”, as criptos sofrem interferências especulativas, uma vez não estão sobre autonomia de nenhum banco central que controle sua estabilidade, gerando grandes oscilações de preço, marca registrada das criptomoedas.

  • Resistência à censura: Mesmo com a grande volatilidade, esse mercado possui uma forte resistência, pois estão acima dos problemas econômicos e políticos dos países. Caso que determinado país opte por uma proibição local das negociações com criptos (como é o caso de Bangladesh), seu mercado continuará existindo globalmente.

  • Transparência e Privacidade: A Blockchain e do uso da criptografia possibilitam que os endereços de carteiras de criptomoedas não sejam vinculados a nomes ou qualquer outra informação de identificação pessoal, e ao mesmo tempo, as transações ficam registradas em todos os computadores da rede e qualquer um pode ter acesso.

  • Irrecuperabilidade: Uma vez concluída a transação com criptomoedas, a não ser que o destinatário final as devolva ao remetente, não existe forma de recuperá-las, por isso, devem-ser transacionadas com consciência e cautela.

  • Escalabilidade: Uma característica controversa por muitos especialistas; diz respeito ao fato da rede de cada criptomoeda crescer em tamanho e gerenciar o aumento da demanda de usuários. Há grande debate da comunidade, sobretudo em relação ao Bitcoin, e se sua rede pode realmente suportar a quantidade de transações caso fosse adotado em massa. Os problemas quanto a escalabilidade podem gerar efeitos negativos para a comunidade e ainda são objeto de muitas discussões.

Perspectivas econômicas das Criptomoedas:

Considerando que a utilização das criptos necessita apenas de um dispositivo eletrônico com acesso à Internet, a facilidade em seu uso torna seu potencial imensurável, pois permite que as transações sejam efetuadas com maior celeridade e sem a burocracia presente nas nossas instituições financeiras.

Neste sentido, vale destacar o posicionamento daquele que é uma das maiores autoridades brasileiras nesta temática, o professor Fernando Ulrich, que destaca em sua obra “Bitcoin: A moeda na era digital” que este ecossistema pode ser considerado uma potencial arma contra a pobreza e opressão, uma vez que possibilita o aumento a serviços financeiros básicos, fator que melhoraria a qualidade de vida da população dos países subdesenvolvidos.

Isto porque, além de serem uma possibilidade barata e eficiente de levar benefícios sociais e movimentar a economia nas áreas mais remotas, as criptomoedas são alternativas à moeda depreciada dos países com controle de capital ou em situação de opressão, sem contar que a população acaba sendo beneficiada pela privacidade que as criptos proporcionam.

De acordo com estimativas apontadas pelo professor em sua obra, somente 64% das pessoas que vivem em países em desenvolvimento tem acesso a serviços financeiros básicos, e isto se deve aos altos custos dos impostos das instituições financeiras locais. Este estudo ainda aponta que, em razão da alta burocracia destes países, a população tem recorrido a serviços bancários via telefonia móvel para fazer frente às suas necessidades, como por exemplo, o sistema de pagamentos M-Pesa, que tem sito exitoso no Quênia, Tanzânia, Moçambique, Afeganistão, Índia, África do Sul, entre outros.


M-Pesa é um serviço de banco por celular da Vodafone oferecido no Quênia desde março de 2007. Atraiu dez milhões de clientes em três anos, e, em 2014, cerca de 30 bilhões de dólares foram movimentados através dele, representando quase metade do PIB do país.


É inegável que as criptomoedas vieram para quebrar paradigmas e alterar a forma como compreendemos não só a economia, mas como diversas outras áreas.

Desde a criação do Bitcoin, e do aperfeiçoamento da Blockchain, fora apresentado um novo olhar sob os entes tradicionais de controle, que por falta de transparência, estão cada vez mais perdendo sua credibilidade; é justamente aí que entra a tal disrupção apontada no início do texto.

De fato, o Bitcoin surgiu para contestar a estrutura estabelecida pelos bancos, logo após a maior crise financeira da história, ocasionada sobretudo pela desordem bancária nos EUA. A partir do momento que estas instituições perdem credibilidade por falta de transparência, e a confiança é depositada em outro sistema capaz de realizar as mesmas atividades, porém gerido pelos próprios usuários e com baixo custo, o sistema financeiro como conhecemos, inevitavelmente será abalado.


Histórico de notícias que evidenciam a tentativa do JPMorgan de inferiorizar o Bitcoin. Pouco mais de um anos depois, voltou atrás em suas declarações e anunciou a criação de uma criptomoeda “centralizada” do próprio banco.


Fato é que, apesar de inicialmente as instituições financeiras tentarem difamar estas tecnologias, associando-as com atividades ilícitas e lavagem de dinheiro, temendo perder autonomia ao longo do tempo — esta foi a indústria que mais mudou de opinião — atualmente, já aceitaram que é impossível barrar este ecossistema. Assim, passaram a estudar formas de utilizá-las a seu favor, bem como, maneiras de aplicar a Blockchain aos seus diversos processos, desburocratizando-os e trazendo maior segurança e transparência.

Aliás, toda essa conversa sobre disrupção e descentralização também gerou grande impacto sob os governos. As posições legais de diversos países e organizações tem mudado com o passar do tempo, como é o caso do FMI, que já afirmou que os ativos digitais não ameaçam a estabilidade econômica global, mas, recentemente, se posicionou alegando que as criptomoedas tornariam a economia mundial vulnerável.

É por tais razões que, naturalmente, as criptomoedas enfrentarão grande resistência em todos os campos; sobretudo, no aspecto jurídico e os desafios relacionados a regulação desse mercado, até o momento da “quebra de paradigmas” preestabelecidos, onde deverão ser aplicadas novas formas de compreensão dessas tecnologias e as autoridades regulamentares mundiais abandonarão conceitos padronizados de seus ordenamentos, favorecendo o crescimento não só do mercado de criptoativos, mas de todas as tecnologias disruptivas. O processo será longo, complicado e desgastante, mas acredito que a tecnologia já caminha continuamente a passos largos nessa direção.

Por fim, deixo uma reflexão ao leitor que ainda não conhece a fundo esse ecossistema e o seu universo de possibilidades, ou que duvida que realmente vá existir um dia uma “Revolução das Criptomoedas”, como alguns entusiastas gostam de frisar…


O que acontecerá se o ciberespaço continuar se expandindo tal como vêm nos últimos anos e o cibercomércio continuar crescendo exponencialmente?


Apesar de saber que este raciocínio não é tão simples quanto parece, na minha modesta opinião, este caminho levará inevitavelmente ao ciberdinheiro. E essa nova forma de transacionar valores vai “resetar” o jogo geopolítico, reduzindo a capacidade de Estados-nação determinarem quem pode ser um indivíduo soberano.

Em síntese, quero dizer que as criptomoedas são parte de uma tendência em direção ao individualismo social e econômico. O poder estatal vem sendo deslocado aos poucos e as unidades políticas menores tem ganhado a relevância que nunca tiveram. E essa migração está apenas começando…







Bibliografia

Criptomoedas e Blockchain: O Direito no Mundo Digital (Emília Malgueiro Campos).

The Internet of Money (Andreas Antotopoulos).

Bitcoins & Outras Criptomoedas: Teoria e prática à luz da legislação brasileira (Luiz Gustavo Doles e Silva).

Blockchain Revolution: How the Technology Behind Bitcoin Is Changing Money, Business, and the World (Don Tapscott & Alex Tapscott).

Bitcoin: A moeda na Era Digital (Fernando Ulrich).

O Bitcoin e o Estado-Nação no Século XXI (Felipe Gaúcho Pereira).


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